Um dos exemplos usados no relatório foi de um processo criminal ocorrido em 2017 no Canadá, que envolveu uma mulher de 18 anos, acusada de prostituição forçada de duas menores, de 14 e 16 ano
29/01/2021 06h00 - Por ONU
Mulheres e meninas traficadas e exploradas sexualmente podem enfrentar processos e condenações por esses mesmos crimes em alguns países, de acordo com novo relatório da ONU.
O estudo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) tem como objetivo ajudar os promotores a lidar melhor com esses casos complexos e proteger as verdadeiras vítimas.
Um dos exemplos usados no relatório foi de um processo criminal ocorrido em 2017 no Canadá, que envolveu uma mulher de 18 anos, acusada de prostituição forçada de duas menores, de 14 e 16 anos.
Ela instruiu uma delas sobre como se vestir e o que fazer com os clientes e tirou o celular da outra, para evitar que ela escae.
A mulher foi considerada culpada e condenada a oito meses de prisão. No entanto, foi revelado durante o caso que ela também foi vítima de exploração sexual.
O tribunal ouviu que ela estava sob o controle de um traficante, e tinha sido explorada e fisicamente abusada por cafetões desde os 16 anos.
O caso, que está incluído em Mulheres Vítimas de Tráfico de Drogas Como Réu", nova publicação do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra a complexidade de muitos casos relacionados ao tráfico humano, nos quais o réu também pode ser uma vítima, que não tinha outra alternativa a não ser obedecer a uma ordem, e cometer um crime, ou esperava diminuir sua própria exploração ou escapar da pobreza desempenhando um papel no crime.
O estudo também descobriu que os traficantes usam as mulheres e meninas como escudo para se proteger de serem punidos por seus crimes.
"Desde que o UNODC começou a coletar estatísticas sobre tráfico de pessoas, há 15 anos, mulheres e meninas têm representado consistentemente a maioria das vítimas relatadas", diz Zoi Sakelliadou, coordenadora de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal do UNODC, que coordenou o desenvolvimento do estudo.
Susana, de 14 anos, dá banho na sobrinha em um bairro pobre de uma grande cidade do Brasil. Ela foi drogada e sequestrada para trabalhar em um bordel em uma cidade próxima por 10 dias, até que a irmã a resgatou.
Susana, de 14 anos, dá banho na sobrinha em um bairro pobre de uma grande cidade do Brasil. Ela foi drogada e sequestrada para trabalhar em um bordel em uma cidade próxima por 10 dias, até que a irmã a resgatou.
"Também vimos que o percentual de mulheres autoras de tráfico que são, ao mesmo tempo, vítimas desse crime, é cada vez maior também, especialmente se comparada a mulheres infratoras em outros crimes.
Os traficantes não só ganharam lucro explorando sexualmente as vítimas, mas também as fizeram cometer crimes para que pudessem escapar da responsabilidade e da acusação".
O relatório mostra que os traficantes deliberadamente usaram as "réus-vítimas" em funções de baixo nível, que as expõem às autoridades policiais – o que significa que elas eram mais propensas a serem pegas.
Essas funções incluíam o recrutamento de novas vítimas, a coleta de lucros, a imposição de punições ou a publicação de anúncios para os serviços sexuais das vítimas.
Em poucos dos casos examinados as vítimas se envolveram em atos de tráfico na tentativa de subir na hierarquia da organização criminosa ou para ganho financeiro.
Zoi Sakelliadou explica que não foram apenas as estatísticas que levaram o UNODC a analisar esse tema, mas também as ligações de autoridades policiais e de justiça criminal, que enfatizaram a complexidade de investigar e julgar casos que envolvem mulheres vítimas de tráfico como supostas autoras.
O estudo também destaca as claras ligações entre o tráfico humano e a violência contra a mulher, a violência doméstica e o papel da violência praticada por parceiros íntimos.
"Descobrimos que em cerca de um quarto dos casos examinados, as mulheres tinham sido submetidas a múltiplas formas de violência antes e durante o processo de tráfico, inclusive desde a primeira infância", informa a coordenadora da pesquisa.
"Esperamos que este estudo apoie as autoridades policiais e de justiça criminal e as ONGs que lidam com esses casos complexos e que dão e às vítimas", afirma.
No dia 2 de fevereiro, o UNODC lançará o Relatório Global de Tráfico de Pessoas 2020, cobrindo 148 países e dando um panorama dos padrões e fluxos do tráfico de pessoas em níveis global, regional e nacional.